O Tribunal de Contas da União proferiu o Acórdão nº 2353/2023, no âmbito do processo 017.027/2022-5, em que são analisadas supostas irregularidades na concessão de desconto de 50% da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) para empreendimentos de fontes incentivadas com potência instalada entre 30 MW e 300 MW, nos termos do parágrafo 1º-A, do art. 26, da Lei 9.427/1996.
A decisão foi tomada em decorrência das denuncias feitas pela Unidade de Auditoria Especializada em Energia Elétrica e Nuclear (AudElétrica-TCU) e pela Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica (SeinfraElétrica), que indicaram haver irregularidade na concessão do benefício de desconto nas tarifas de conexão pela ANEEL para projetos que estariam sendo fracionados para resultar em outorgas com potências inferiores a 300 MW.
A ANEEL explicou ao TCU que o conceito na Lei 9.427/1996 é “potência injetada”, não “potência instalada”, devendo ser a potência injetada considerada para fins de benefício. Isso porque a potência instalada corresponde à capacidade máxima de produção da central geradora em determinado instante e não reflete a produção média nem a necessidade de autoconsumo. A Agência Reguladora defendeu que as Regras de Comercialização (Medição Contábil), aprovadas pela Resolução Normativa nº 1007/2022, preveem regras e instrumentos para suspender o desconto caso o limite seja excedido, o que só pode ser verificado durante a operação da usina, e não por meio de análise ex-ante.
A ANEEL acrescentou, ainda, que há limitação em sua competência para impedir a ocorrência da subdivisão de um mesmo empreendimento, pois não há previsão legal que individualize empreendimento de geração de fonte incentivada. Seria necessário também considerar que os princípios contidos na Lei de Liberdade Econômica respaldam a atividade regulatória da ANEEL, sobretudo em relação à presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício de liberdade econômica e no dever da administração de evitar abuso regulatório (arts. 3º V e 4º VII da Lei de Liberdade econômica), não sendo possível que a Agência presuma a má-fé dos regulados. Do ponto de vista jurídico, a existência de usinas em áreas contíguas e de um mesmo controlador não as torna um empreendimento único, vez que essa determinação não se extrai do art. 18 da Resolução Normativa nº 876/2020.
Por último, a ANNEL explicou, ainda, que, pela ótica do empreendedor, existem outros motivos que justificam a decisão por implantar usinas menores em áreas vizinhas, como simplificação tributária (para se enquadrar, por exemplo, no regime de lucro presumido); e facilitação do licenciamento ambiental; ou viabilizar diferentes estratégias em leilões.
Nesse contexto, o TCU determinou à ANEEL, sob monitoramento da AudElétrica:
- Que se abstenha de conceder novos descontos para projetos pendentes de autorização, até que critérios regulatórios eficazes sejam estabelecidos para o limite de 300.000 kW por empreendimento, evitando benefícios nos casos de fracionamento de projetos; e
- Que apresente um Plano de Ação, em 180 dias, para aprimorar a regulamentação referente à concessão de descontos, considerando empreendimentos já autorizados e com subsídios vigentes, que deverá abordar necessariamente: o impacto da correção de irregularidades nas autorizações já realizadas; e a apresentação de justificativas para a manutenção das reduções já autorizadas, considerando as consequências práticas que tal decisão possa acarretar (conforme o art. 20 da LINDB).
Destaca-se que o TCU observou que, embora existam diversos pedidos ainda sob análise no âmbito da ANEEL, não existiria direito adquirido para os casos pendentes de análise uma vez que não houve concessão dos descontos, mas somente expectativa de direito, que antecede a aquisição, podendo ser afetada por regulamento posterior. Assim, a nova regulamentação evitaria situações de fracionamento que podem vir a ser anuladas, caso comprovada a má-fé, uma vez que a situação jurídica a ser alterada já faz parte do patrimônio das partes e já houve produção de efeitos.
Em relação aos projetos já operacionais, o TCU entendeu que tais negócios jurídicos podem ser anuláveis ou passíveis de convalidação, sendo necessária cautela para discutir o desfazimento desses atos, pois deve ser levado em conta o princípio da segurança jurídica.
O TCU pontuou também que a fragmentação da usina revela propósito de enganar terceiros e alcançar objetivos contrários à lei e importa ilegalidades nas searas tributária, licitatória, ambiental e processual (de causa de pedir).