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Operadora de saúde deve cobrir parto de urgência, mesmo que plano não preveja despesas obstétricas

A 3a Turma do Superior Tribunal de Jusiça, ao julgar o REsp 1947757, decidiu que, nos planos de saúde contratados na modalidade hospitalar, a ausência de previsão contratual de cobertura de atendimento obstétrico não isenta a operadora de saúde da responsabilidade de custear o atendimento de beneficiária que necessite de parto de urgência.Iisso pois, essa obrigação está estabelecida em vários normativos, como o artigo 35-C da Lei 9.656/1998 e a Resolução Consu 13/1998.

Com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça condenou a operadora de saúde e o hospital a pagarem, solidariamente, indenização por danos morais a uma beneficiária que, mesmo estando em situação de urgência obstétrica, teve negada pelo hospital e pelo plano a internação para parto de urgência.

De acordo com os autos, a beneficiária do plano, após ter dado entrada no hospital em trabalho de parto, foi informada de que o bebê se encontrava em sofrimento fetal e que havia necessidade de internação em regime de urgência, mas que o seu plano não cobriria o parto.

Na ação, a beneficiária afirmou que o hospital não se prontificou a realizar o parto, ao contrário, afirmou que ela precisaria correr contra o tempo para ir até uma clínica que realizasse o procedimento. Assim, a beneficiária solicitou uma ambulância e se dirigiu a um hospital público, local em que foi realizado o parto. Em razão das condições de saúde, o bebê teve que ser reanimado após o nascimento, mas sobreviveu. 

Em primeiro grau, o juiz condenou o plano de saúde e o hospital ao pagamento solidário de R$ 100 mil a título de danos morais. O TJRJ reduziu o valor para R$ 20 mil.

Por meio de recurso especial, a operadora de saúde argumentou que a beneficiária contratou o plano de saúde apenas no segmento hospitalar, sem cobertura de despesas com atendimento obstétrico, o que impedia o reconhecimento de sua responsabilidade pela cobertura do parto de urgência.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi explicou que a Lei 9.656/1998 autoriza a contratação de planos de saúde nos segmentos ambulatorial, hospitalar – com ou sem obstetrícia – e odontológica, estabelecendo as exigências mínimas para cada cobertura assistencial.

No caso do plano de saúde hospitalar sem obstetrícia, afirmou que o artigo 12 da Lei 9.656/1998 prevê que a cobertura mínima está vinculada à prestação de serviços em regime de internação hospitalar, sem limitação de prazo e excluídos os procedimentos obstétricos.

Por outro lado, a relatora apontou que o plano hospitalar com obstetrícia garante, além da internação, o atendimento obstétrico e a cobertura assistencial ao recém-nascido durante 30 dias após o parto.

Nesse contexto, confere-se que, para ter direito à cobertura do parto pelo plano de saúde, a beneficiária precisa ter contratado a segmentação hospitalar com obstetrícia.

Entretanto, a ministra ressaltou que o caso dos autos envolveu atendimento em regime de urgência e o artigo 35-C da Lei 9.656/1998 prevê como obrigatória a cobertura de atendimento nos casos de urgência, assim compreendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações na gestação.

Nesse mesmo sentido, ela apontou que o artigo 4º da Resolução Consu 13/1998 garante a cobertura dos atendimentos de urgência e emergência quando se referirem ao processo gestacional. A resolução dispõe que, caso surja necessidade de assistência médica hospitalar em razão de condição gestacional de pacientes com plano hospitalar sem cobertura obstétrica, a operadora do plano de saúde deverá, obrigatoriamente, cobrir o atendimento prestado nas mesmas condições previstas para o plano ambulatorial.

A magistrada também citou a Resolução Normativa 465/2021, que, ao atualizar o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, estabeleceu que o plano hospitalar compreende os atendimentos realizados em todas as modalidades de internação hospitalar e os atendimentos de urgência e emergência, garantindo a cobertura da internação hospitalar por período ilimitado de dias.

Segundo a relatora, o artigo 7º da Resolução Consu 13/1998 dispõe que as operadoras de plano de saúde devem garantir a cobertura de remoção, após os atendimentos de urgência e emergência, quando ficar caracterizada a falta de recursos oferecidos pela unidade de atendimento para continuidade da atenção ao paciente ou a necessidade de internação para os usuários de plano de segmentação ambulatorial.

Diante desse arcabouço normativo, e considerando a abrangência do plano hospitalar contratado e as disposições legais e regulamentares pertinentes, conclui-se que não há que falar em exclusão de cobertura do atendimento de parto de urgência, de que necessitava a recorrida, incluindo o direito à internação sem limite de dias ou a cobertura de remoção o que, conforme consta dos autos, não se verifica na hipótese.

A Min. Nancy Andrighi ainda apontou que a sujeição do consumidor à indevida recusa de cobertura pela seguradora, quando a beneficiária já estava em urgente e flagrante necessidade de atendimento médico – como na hipótese dos autos –, é apta a gerar o dano moral.

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STJ entende ser válida cláusula que exclui coberturas prevista em contrato de seguro

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.358.159, interposto pelaAssociação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor (Anadec), decidiu pela validade de cláusulas que reduziram a cobertura de um contrato de seguro de vida em grupo, porquanto não contrariam a natureza do contrato nem esvaziam seu objeto. Apenas delimitam as hipóteses de não pagamento da indenização.  

No caso analisado, o contrato previa garantia adicional para invalidez por acidente, salvo nas hipóteses de acidente decorrente de hérnia, parto, aborto, perturbações e intoxicações alimentares ou choque anafilático.

O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, iniciou afirmando que é assegurada a revisão judicial do contrato de seguro quando verificada a existência de cláusula abusiva, imposta unilateralmente pelo fornecedor, que contrarie a boa-fé objetiva ou a equidade, promovendo desequilíbrio contratual e oneração excessiva ao consumidor, como nas hipóteses do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Porém, não sendo configurado o abuso, deve ser prestigiada a liberdade negocial, consequência primordial da autonomia privada. De acordo com o relator, a exclusão de restrições de cobertura pela Justiça pode ocasionar o desequilíbrio econômico do contrato (artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

O ministro, em seguida, explicou, que a delimitação, pelo segurador, dos riscos a serem cobertos é inerente à natureza jurídica do contrato de seguro, conforme os artigos 757e760 do Código Civil. Lembrou, também, que a jurisprudência do STJ considera ser da essência do contrato de seguro essa delimitação de riscos (REsp 1.782.032), bem como que o próprio Código de Defesa do Consumidor permite a inserção de cláusula limitativa de direito em contrato de adesão, apenas exigindo que seja redigida com destaque (artigo 54, parágrafo 4º, do CDC).

O relator destacou, ainda, que o artigo 421, parágrafo único, do Código Civil estabelece a prevalência da intervenção mínima do Estado e a excepcionalidade da revisão dos contratos na esfera do direito privado, e que o artigo 2º, inciso III, da Lei 13.874/2019 enfatiza a necessidade de observância do princípio da intervenção subsidiária e excepcional sobre as atividades econômicas.

Segundo o magistrado, o eventual caráter abusivo de uma cláusula limitativa de cobertura deve ser examinado em cada caso específico, pontualmente, levando em conta aspectos como o valor da mensalidade do seguro em comparação com os preços de mercado, as características do consumidor, os efeitos da inclusão de novos riscos nos cálculos atuariais e a transparência das informações no contrato.

O que não se pode – concluiu, ao confirmar o acórdão do TJSP – é alterar o contrato com base apenas na alegação hipotética e genérica de prejuízo ao consumidor, relatada ao Poder Judiciário de forma abstrata, sob a vaga alegação de abuso da posição dominante da seguradora.

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STJ: Plano de saúde deverá indenizar paciente por recusa indevida de cobertura de transplante de fígado

A 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.901.890, manteve a condenação de um plano de saúde a reembolsar em R$ 87 mil um paciente que, após a recusa da operadora, precisou realizar o transplante de fígado por conta própria.

No seu recurso, a operadora alegou que o contrato celebrado com o consumidor excluía a cobertura desse tipo de procedimento. Afirmou ainda que o paciente optou, por sua conta e risco, por realizar a cirurgia fora da rede hospitalar credenciada, de modo que o plano não poderia ser responsabilizado.

No entanto, a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, observou que a questão relativa à obrigação de custeio da cirurgia pelo plano já foi analisada na outra ação – cuja sentença determinou que a operadora pagasse a despesa –, de maneira que não seria possível examinar a controvérsia novamente, mesmo porque a indenização discutida nos autos tem relação exatamente com o descumprimento dessa ordem judicial.

A relatora esclareceu, também, que o caso dos autos é diferente do precedente firmado pela Segunda Seção no Agravo em Recurso Especial 1.459.849, em que se discutiu o reembolso da despesa após procedimento cirúrgico feito fora da rede credenciada por livre escolha do paciente, que nem chegou a requerer autorização do plano de saúde.

Destacou, ainda, que também não se trata de atendimento de urgência/emergência realizado fora da rede credenciada sem a prévia autorização da operadora, porque, nesses casos, não há qualquer ilicitude imputada a esta, sendo, por isso, considerada válida a estipulação do reembolso nos limites estabelecidos contratualmente.

Segundo a ministra relatora, se o requerimento para a realização do transplante é indevidamente negado, não há outra opção para o beneficiário senão fazer a cirurgia por conta própria, custeando o tratamento, ou buscando o Sistema Único de Saúde (SUS).

Desse modo, nessa circunstância, não se pode admitir que o beneficiário suporte, nem mesmo em parte, o prejuízo gerado pela operadora de plano de saúde que, em flagrante desrespeito ao contrato e à ordem judicial, se negou a cumprir a obrigação que lhe foi imposta”.

A relatora ressaltou, ademais, que as perdas e danos, no caso, correspondem aos prejuízos causados pelo inadimplemento da operadora e pelo desrespeito à ordem judicial, motivo pelo qual não poderiam se restringir ao reembolso nos limites estabelecidos contratualmente, como prevê o artigo 12, inciso VI, da Lei 9.656/1998, pois não se confundem com os parâmetros previstos no dispositivo legal.