Categorias
Direito Tributário

Inconstitucionalidade da cobrança do diferencial de alíquotas do ICMS (Difal) das empresas optantes pelo Simples – Questionamento judicial para resguardar direito à restituição dos valores recolhidos

Muitos Estados, dentre eles Minas Gerais, exigem das empresas optantes pelo Simples, quando adquirem, em operações interestaduais, mercadorias destinadas a industrialização e/ou revenda o pagamento do diferencial de alíquotas do ICMS (Difal).

Ocorre que essa cobrança é inconstitucional, em virtude do que se aconselha o ajuizamento de ação judicial pelas empresas optantes do Simples que se vêm obrigadas ao recolhimento da exação, visando resguardar o direito de não serem obrigadas a tal pagamento, bem como serem restituídas dos valores eventualmente pagos a esse título.

O Difal, relembre-se, foi instituído com o objetivo de partilhar a receita decorrente do ICMS incidente nas operações que destinem mercadorias ou serviços a consumidores finais, contribuintes ou não do imposto, localizados em estados diversos daquele em que estabelecido o contribuinte que as tenha alienado.

Assim, de acordo com essas regras, nas operações interestaduais com consumidores finais, cujos destinatários são localizados em outros estados, o ICMS devido ao estado de origem é calculado com base nas alíquotas fixadas pelo Senado Federal (7% ou 12%, no caso de mercadorias nacionais, e 4%, no caso de mercadorias de procedência estrangeira). E, ao estado de destino cabe a parcela do imposto correspondente à diferença entre a sua alíquota interna e a interestadual aplicável: Difal.

Nos termos da CF/88, esse diferencial de alíquotas do ICMS somente é devido nas operações interestaduais que destinem mercadorias e/ou serviços a consumidor final. Nas operações que destinem mercadorias ao comércio ou à indústria (ou seja, que não as destinem ao consumo final de quem as adquire), cabe ao estado de destino arrecadar o imposto incidente na saída interna (posterior) desses bens, que deverá ser calculado mediante a aplicação das alíquotas próprias internas desse estado de destino, sobre o valor das operações ou prestação posteriores.

Dessa forma, o contribuinte que adquire, para industrialização ou posterior revenda, mercadorias de fornecedor localizado em outro estado, não está obrigado ao recolhimento do Difal ao estado em que situado por não poder ser estar caracterizado, nessa hipótese, consumo final desses bens.

Não obstante, a partir da edição da LC 128, de 19/12/2008, o artigo 13 da LC 123/06 passou a permitir a possibilidade de que, no caso de aquisição interestadual de mercadoria destinada a posterior saída tributada (ou seja, operação “sem encerramento da tributação”), a empresa optante pelo Simples Nacional seja obrigada ao recolhimento, a título de “antecipação”, de parcela do ICMS por ela devida.

Com base nessa alteração legislativa, diversos estados editaram normas para instituir a sistemática de “antecipação” do ICMS devido pelas microempresas e empresas de pequeno porte. É o caso, por exemplo, dos estados de Minas Gerais – Decreto 43.080, de 13/12/2002 (artigo 42, §14); Paraná – Decreto 7.871, de 29/9/2017 (arts. 7º e 16, §4º) e Pernambuco – Decreto 44.650, de 30/6/2017 (arts. 329, II, 338, 340 e 363).

Apesar de a LC 123/06 e as legislações estaduais tratarem a referida exação como mera antecipação do ICMS devido pelas empresas sujeitas ao Simples Nacional, a análise mais detalhada do tema demonstra que ela não possui essa natureza.

Caso se tratasse de antecipação tributária, o valor do imposto recolhido deveria ser deduzido dos valores futuramente devidos pelo contribuinte, o que não ocorre.

Além de as empresas optantes pelo Simples Nacional estarem expressamente proibidas de apropriar créditos em relação ao ICMS (art. 23 da LC 123/06), o que não lhes permite abater o imposto supostamente antecipado do devido nas operações seguintes, não há, na LC 123/06 ou nas legislações estaduais, qualquer previsão de exclusão das receitas relativas à venda das mercadorias sujeitas a esse regime de antecipação da base de cálculo do ICMS devido na sistemática do Simples Nacional.

Assim, em resumo, o que ocorreu foi a instituição do recolhimento do diferencial de alíquotas do imposto por contribuintes que não se enquadram na condição de consumidores finais das mercadorias adquiridas, o que viola frontalmente as regras constitucionais que regulam a matéria.

Ademais, a cobrança do Difal das empresas optantes pelo Simples Nacional afronta o art. 146, III da Constituição Federal que expressamente determina que no regime especial o recolhimento dos tributos deve ser unificado e não prevê exceções.

É, portanto, inconstitucional a exigência contida no artigo 13, parágrafo 1º, “g”, 2, da LC 123/2006, seja por violar o artigo 155, parágrafo 2º, IV e VII, da CF/88, que estabelece que o diferencial de alíquotas do ICMS incide apenas nas operações interestaduais que destinem bens a consumidor final, seja por ofensa direta ao artigo 146 da Carta Magna de 1988, que prevê a unicidade de recolhimento no âmbito do Simples Nacional.

Registre-se que o tema teve a sua repercussão geral reconhecida pelo STF no âmbito do RE 970.821/RS. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, após proferidos 5 (cinco) votos, 4 dos quais pela inconstitucionalidade da cobrança (Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski) e apenas 1 pela sua constitucionalidade (Edson Fachin).

Nesse contexto, considerando a probabilidade da declaração de inconstitucionalidade da cobrança e da respectiva modulação dos efeitos pelo STF, aconselha-se o ajuizamento de medida judicial resguardar o direito à restituição dos valores recolhidos a título do diferencial de alíquotas do ICMS (Difal).

Estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos acerca da questão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *