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Direito Tributário

Deficiências do marco legal da transação com a Fazenda Pública Federal

O Senado aprovou, no último da 24 a Medida Provisória 899 que, enfim, regulamentou a transação.

Muitos fazem referência apenas ao termo transação tributária, mas esclarece-se que o diploma dispõe sobre a transação tanto de débitos tributários como não tributários perante a Fazenda Pública Federal. Está também incluída a dívida ativa das autarquias e das fundações públicas federais administrada pela Procuradoria Geral da Federal e Procuradoria Geral da União.

A transação, segundo o diploma, poderá estipular prazos especiais para a quitação, a autorização de substituição ou alienação de garantias e constrições, bem como a concessão de descontos de até 50% do valor total do débito perante a Fazenda Pública Federal. Esses podem chegar a 70% do valor total do crédito nos casos de os devedores serem pessoas físicas, micro e pequenas empresas, Santas Casas de Misericórdia, instituições de ensino, cooperativas ou organizações da sociedade civil de que trata, o Lei 13.019/2014.

Alguns aspectos, porém, chamam a atenção.

Quando se fala em transação, o que primeiro se vem à mente é a concessão por ambas as partes de alguma vantagem para com a outra, no intuito de prevenir ou encerrar algum litígio. Esse é o seu conceito clássico e está previsto no art. 840 do Código Civil[1].

Nesse passo, a principal razão para que um devedor cogite numa eventual transação com o Poder Público são os descontos que podem ser concedidos.

Contudo, no que tange a esse ponto, apesar de se alardear a concessão de descontos de até 70% em relação a multas, juros de mora e encargos legais, o diploma prevê a sua concessão tão somente na hipótese de transação de créditos tributários inscritos em dívida ativa da União e que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme assim o definir a Procuradoria da Fazenda Nacional, ou se forem de empresas em processo de recuperação judicial, liquidação ou falência.

Estão fora os débitos ainda sob o contencioso administrativo fiscal e os débitos não tributários das autarquias e fundações.

Veja que o diploma faz uma redução muito grande do grupo de débitos que poderão ser transacionados mediante a obtenção de descontos, diminuindo o alcance do instituto, porquanto o torna significativamente m

Outro ponto a ser salientado é que a medida prevê a possibilidade de a transação permitir o pagamento do débito tributário em parcelas. Porém, dispõe que a transação não suspenderá a sua exigibilidade.

Um exemplo é a recente transação extraordinária regulamentada pela Procuradoria da Fazenda Nacional através da Portaria 7.820, a qual permite a quitação de débitos tributários inscritos em dívida ativa da União mediante entrada de 1% do valor total e do saldo em até 81 parcelas mensais.

Observa-se que, nessa hipótese, apesar de denominada transação, estamos diante de um verdadeiro parcelamento, que é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151 do CTN.

Assim não o é à toa. O contrário implicaria grave ofensa à segurança jurídica pela imputação das penalidades decorrentes da mora, bem como da consumação das constrições do patrimônio, enquanto o contribuinte está promovendo a quitação do débito permitida em lei.

Nada obstante, o diploma, no seu art. 12, expressamente dispõe que a transação não suspenderá a exigibilidade dos débitos nela abrangidos, nem mesmo o andamento das respectivas execuções fiscais.

Isso é, mesmo durante o prazo de pagamento das parcelas, ainda que em dia, o contribuinte não fará jus à certidão positivo com efeitos de negativa. Também poderão ser consumados atos expropriatórios no âmbito das execuções fiscais, a quais somente terão sua tramitação suspensa mediante expressa anuência da Fazenda Nacional, se não estiver prevista no termo da transação.

Ao assim proceder, o diploma afronta o art. 151 do CTN e afasta anda mais eventual interesse que o contribuinte poderia ter em aderir à transação.

Também prejudica o interesse, o fato de que somente os débitos inscritos em dívida ativa da União poderão ser objeto de transação por proposta individual do devedor. Com relação a todos os demais débitos, por exemplo aqueles ainda sob o contencioso administrativo, somente poderão ser objeto de transação mediante adesão à proposta da Procuradoria, a qual fica a sua exclusivo critério e conveniência.

Ora, se o objetivo da regulamentação da transação é ajudar as empresas mediante a redução do passivo, a limitação da iniciativa do devedor vai na contramão.

Não se pode, ainda, deixar de ressaltar a introdução da transação por adesão no contencioso administrativo fiscal de pequeno valor, aquele cuja controvérsia não supere 60 salários mínimos e tenha como sujeito passivo pessoa natural, microempresa u empresa de pequeno porte.

É medida de extrema relevância para os profissionais autônomos, micro e pequenos empresários notadamente agora diante dos efeitos nefastos da pandemia do coronavírus para a economia.

Contudo, também para sua implementação, necessita-se de prévia proposta por adesão da Receita Federal, a qual pode vir atrasada e desatrelada à necessidade dos empresários, já que a seu exclusivo critério e conveniência.

Além disso, no bojo da regulamentação da transação, a medida introduziu novas regras processuais. Criou o contencioso administrativo fiscal de pequeno valor, o qual deve ser regulamentado por ato do Ministro da Economia. Porém, desde já, deixou expressamente previsto que o respectivo julgamento será realizado em última instância pela Delegacia de Julgamento da Receita Federal. Isso é, vedou-se a possibilidade de interposição de recurso.

Ao obstar o direito à interposição de recurso no âmbito do contencioso administrativo fiscal de pequeno valor, ainda que a intenção seja diminuir o elevado número de processos em tramitação e dar mais agilidade, o diploma ofendeu o direito do contribuinte ao devido processo legal com acesso ao duplo grau. Desrespeitou, também, os acordos firmados pelo Brasil e incorporados ao ordenamento brasileiro, os quais determinam a observância da dupla instância com a garantia do direito a recurso em todos os processos administrativos[1].

Diante dessas considerações, a transação, da forma como regulamentada, apesar do potencial de ser mecanismo importante para a redução de passivos e aumento de caixa para o Governo, a nosso sentir, é pouco atraente para o devedor, em virtude do que é grande a possibilidade de não gerar os efeitos esperados para a economia. Algumas das suas condições e requisitos devem ser revistos a fim de que se converta em efetiva medida.

[1] Vide o Acordo de Facilitação Comercial da OMC – AFC, em vigor no Brasil, por meio d Decreto 9.326, de 01 de abril de 2018 e a Convenção de Quito Revisada.

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